Gaspar Machado, 21 anos, é conhecido por ‘hypno’ no mundo dos desportos electrónicos. Apesar dos vídeo jogos estarem associados ao lazer, Gaspar é, na realidade, um jogador de alta competição que já participou em torneios em dois continentes, tendo arrecadado, ao todo, “cerca de 28 mil euros” em prémios monetários.
Os desportos electrónicos, vulgarmente conhecidos como esports, existem desde que os jogos de vídeo foram criados. Em 1990, já a Nintendo organizava competições nacionais nos Estados Unidos com prémios bastante aliciantes, sendo um deles cartuchos de jogos em ouro, raridades que hoje valem mais de 25 mil dólares no eBay. No entanto, foi apenas com o boom da Internet em meados da década de 90 que os desportos electrónicos se vulgarizaram. Era agora possível competir com pessoas do mundo inteiro a partir da nossa casa, o que levou a que os jogos se virassem para a parte competitiva e a que fossem criados vários torneios mundiais.
Em 1997, foi criada a Cyberathlete Professional League, três anos mais tarde a World Cyber Games e em 2003 teve lugar o primeiro evento da Electronic Sports World Cup. Desengane-se, porém, aqueles que pensam que quem compete nestes torneios depende apenas dos prémios por eles oferecidos. A Major League Gaming, cujas competições são transmitidas na televisão por cabo americana, oferece aos seus melhores jogadores salários mensais que rondam os 30 mil dólares, valores a que se somam as elevadas quantias recebidas pelos patrocinadores. Esta tendência competitiva nos vídeo jogos tem-se registado também em Portugal através do aumento do número de cyber cafés, Lan Houses, competições e, acima de tudo, jogadores.
Natural da Marisol, Charneca da Caparica, Gaspar é um ávido jogador da saga Unreal, tendo jogado as várias versões do jogo quase desde que a primeira foi lançada, em 1998. Embora já jogue desde os 12 anos, foi só quatro anos mais tarde que deu o salto para o circuito competitivo, impulsionado pelo exemplo de Ivanildo ‘Neutro’ Gomes, que em 2002 foi para a Coreia do Sul jogar na World Cyber Games. “Fiquei fascinado com aquilo na altura e gostaria de ser um dia como ele. Portanto, comecei a treinar, com o objectivo de ganhar um qualificador e ir ao estrangeiro representar Portugal”, explica.
Hoje, sete anos mais tarde, Gaspar já competiu em seis países diferentes, entre os quais Inglaterra, onde conseguiu o seu maior triunfo até à data, o primeiro lugar no torneio Play.com, realizado no mítico Estádio de Wembley, em Londres, uma experiência que descreve como “fantástica”. “A localização era magnífica, o facto de eu estar a jogar com os melhores do mundo era muito bom. Tinha apontado para uma posição entre os quatro primeiros, no máximo, e acabei por sair vitorioso no fim”, afirma, orgulhoso.
O seu nome já acarreta prestígio além-fronteiras mas Gaspar confessa que é impossível viver dos vídeos jogos em Portugal, apesar de alguns jogadores já terem recebido salário durante “um mês ou dois”. “Já tive algumas propostas pouco profissionais mas, sinceramente, nunca aceitei porque a minha imagem e a minha integridade valem mais do que meia dúzia de euros”, garante, rematando: “Mesmo assim, o salário que a maior parte dos jogadores profissionais recebe não é nada por aí além”.
No seu quarto, Gaspar guarda inúmeros troféus, medalhas e cheques dos torneios em que participou, bem como uma série de fotos – recordações dos êxitos que já saboreou. Um computador – bem equipado – faz companhia a uma mesa de mistura. Um hobby, assegura Gaspar, mas que pode tornar-se em algo mais sério. “Não sou profissional nem nada do género, já vou a festas e a raves psytrance há muito tempo e, entretanto, um amigo meu puxou-me para este interesse e agora ando a tocar nuns bares e coisas assim, quem sabe um dia, também a jogar Unreal o meu primeiro prémio foi um tapete para o rato, mas não tenho assim grandes esperanças. É um brinquedo, divirto-me a fazer e é por aí”.
Apesar das suas conquistas em torneios, Gaspar assegura que nele, o bichinho da competição só recentemente começou a manifestar-se. “Andava imenso de bicicleta de um lado para o outro aqui, a dar saltos e a partir-me todo. Nunca gostei muito de desportos de equipa, por exemplo futebol nunca me interessou muito. Gosto mais de ser eu, simplesmente. Nunca me meti em competições, emocionalmente era um bocado fraco”, confessa. Pelo contrário, o gosto por computadores e vídeo jogos esteve presente desde tenra idade. “Ele começou a mexer nos computadores aos 11 anos. Começou a fazer LAN’s privadas dele, onde era sempre o mais novo. Era ele que montava os computadores em rede”, comenta a mãe, Maria Machado, que assegura que os vídeo jogos ajudaram o Gaspar a encontrar um rumo. “Ele à conta dos jogos aprendeu muita coisa de computadores, ele mexe em tudo de computadores, não pode estar à espera de um técnico para lhe vir arranjar o computador. Eu acho que foi muito bom para ele, houve um periodo em que não se dava muito bem com a escola, porque não lhe dizia muito, ele estava noutra. Mas depois começou a ter uma relação com esta comunidade e ficou outro. Para o Gaspar, até do ponto de vista psicológico, por incrível que pareça, foi salutar”.
Gaspar, que concluiu o 12º ano no curso Tecnológico de Informática, frequenta actualmente o segundo ano do curso de Comunicação e Multimédia na Universidade Lusíada em Lisboa, mas garante que ainda não escolheu o que quer fazer no futuro, algo que só acontecerá no próximo ano, quando decidir que mestrado vai tirar. “O meu curso abrange diversas coisas, e foi isso que me atraiu, eu acho que ainda estou para descobrir o que realmente quero, tenho várias coisas que vieram ao de cima, nomeadamente design gráfico – ao fazer alguns trabalhos, cartazes, etc, gostei bastante. Agora o som também, ser DJ não é uma coisa muito fiável, há também muita coisa na comunicação social, nomeadamente Jornalismo também me interessa bastante, já fiz alguns artigos”.
Em alturas de torneios, Gaspar já chegou a praticar cerca de quatro horas por dia, mas nem esse ritmo de treino chegou a afectar os seus estudos. “A altura em que treinei mais foi quando a demo do Unreal Tournament 3 saiu, lembro-me de faltar às aulas durante uma semana e jogar bastante, mas depois repus tudo e consegui passar a todas as cadeiras. Tive aquele início, que acho que foi fulcral para o meu desenvolvimento no jogo, mas, sinceramente, nunca me afectou muito os estudos, que já foram afectados, não pelo jogo, mas pela minha preguiça”, confessa, em tom brincalhão. As vitórias alcançadas em torneios e o próprio reconhecimento público a que os desportos electrónicos têm estado sujeitos já fizeram com que o Gaspar fosse mesmo reconhecido na rua. “Já aconteceu, sei lá, diria cinco vezes, na rua e na faculdade. Na rua já me reconheceram até umas raparigas, estranhamente, deviam ter visto a reportagem na RTP2. É uma sensação boa seres reconhecido por aquilo que fazes e mais gostas de fazer, neste caso é jogar”.
E até quando continuará Gaspar a brilhar nos palcos electrónicos? A própria crise financeira tem tido um impacto significativo nos desportos electrónicos, com alguns patrocinadores a retirarem o seu apoio, o que já levou um número de equipas e torneios a encerrar as suas portas. Embora Gaspar acredite na sobrevivência da comunidade, ele garante que a componente diversão tem de estar sempre presente no seu jogo. “[Irei jogar]até quando houver competições, houver bom nível e o jogo me der diversão. Agora se não houver competição e se já estiver um bocado farto dos mapas e do jogo em si, acabo por deixar de jogar e concentro-me mais nas outras coisas, nomeadamente na escola, ou em outros hobbies que eu tenha”.
Um factor que tem condicionado o crescimento dos desportos electrónicos é a publicidade negativa feita pelos meios de comunicação social aos vídeo jogos. Em 1999, logo após o massacre na escola secundária de Columbine, nos Estados Unidos, os vídeo jogos foram apontados como possível causa para a tragédia, tal como aconteceu em 2007, após o tiroteio no Instituto Politécnico de Virginia. Para Gaspar, os media utilizam os vídeo jogos como “bode expiatório”, o que “tem alguma lógica” para quem não conhece o meio. “Eu acho que é preciso haver um controle dos pais da mentalidade do filho. Se o filho for mentalmente desequilibrado, obviamente que o jogo o vai influenciar, tal como um filme ou uma música, mas os jogos não são a causa para o mal deste mundo, as pessoas, sim, são.”
Nota: Este artigo foi feito no âmbito do curso de Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social em Lisboa gentilmente cedido ao Fraglíder por Luís Mira