NOTA: Não sou Feminista. Não me considero Feminista. Sou apenas um gaja que gosta de jogar DotA 2 e que achou por bem expressar a sua opinião sobre este assunto.
 

Quando fiz dez anos, dei uma festa em minha casa, tal como a maioria das crianças de dez anos o faz. O centro das atenções foi imediatamente para o volante giríssimo, de cor amarela, comprado uns meses antes, com as poupanças míseras de uma miúda com queda para “jogos de carros”. A marca? Wingman. O jogo? “Midtown Madness 2”. E foi assim que os putos do género Masculino passaram a tarde, enquanto as miúdas se tentavam entreter com as poucas Barbies que se escondiam debaixo da cama.

Nessas poucas horas, deixei de ser a miúda com uns quilos a mais, sem jeito nenhum para o desporto e com escassez de interesses amorosos, para me tornar na miúda fixe e cool, que ostentava um potente volante (que mais ninguém tinha!) e um jogo da moda, que oferecia a possibilidade de nos tornar a todos condutores destemidos, sem qualquer noção das regras de trânsito.

Foi nessa festa, nessas escassas horas, que me senti inserida, pela primeira vez, numa pequena comunidade emergente, denominada nos dias de hoje de “female gamers”; uma comunidade rara e diminuta, que deixava o outro género dividido tanto em opiniões positivas como negativas. Para uns, era fixe eu ter um volante em casa. Para outros, eu devia era estar a brincar com as Barbies que teimavam em esconder-se debaixo da cama. No entanto, eu gostava de pertencer à pequena percentagem de meninas que preferiam carregar nas teclas de um teclado. Eu gosto de pertencer à já não tão pequena percentagem de meninas que preferem carregar nas teclas de um teclado ou irritar-se com combinações de x o ∆ □.

Cada vez somos mais. Agora, o meu volante amarelo já não seria algo raro, cool e diferente, mas algo quase comum, segundo os estudos recentes. Já somos 48%, mesmo que algumas de nós apenas contribuam com os jogos populares de telemóvel, como Candy Crush ou Kim Kardashian Hollywood. Mas estamos lá, naquele número. E nas festas de anos, agora, já não há a tal “segregação” do meu tempo. Agora, os putos de ambos os géneros já se divertem a segurar os seus portáteis ou tablets, tentado bater highscores ou vendo quem tem o jogo mais fixe. Times are changing.


 

A discussão não é de agora, nem se resume somente a videojogos. Sempre houve, em tudo, esta espécie de “guerra” dos sexos, com actividades denominadas mais masculinas que outras e em que as mulheres eram deixadas para outros afazeres, considerados mais levianos, de menos esforço físico e centrados na vida familiar. No desporto – uma das primeiras actividades acessíveis às mulheres – raramente vimos equipas mistas, sendo o argumento principal para tal, a diferença entre a capacidade física e a força. Seria de esperar que acontecesse o mesmo no mundo dos videojogos, mas o problema é que o argumento aí já não faz tanto sentido e são cada vez mais desprovidas as razões para a separação.

Como jogadora e fã de DotA 2, não consigo evitar as mixed feelings, no que toca a este assunto. Sinto na pele, tanto a discriminação retrógrada e insensível de uns jogadores, como o apoio e admiração de tantos outros (por vezes, até em demasia, if you know what I mean). Ligar o voice-chat está fora de questão em jogos públicos, pois isso é meio caminho andado para se ser julgado, não pela maneira como se joga, mas sim pelo nosso género. Também são muitas as vezes, em que depois de um jogo, os pedidos de amizade ou mensagens se multiplicam. Ou é 8 ou 80, e apesar de já sermos 48% em geral, no caso específico do  DotA 2, ainda não se consegue encontrar um meio-termo.

No Reddit, multiplicam-se as discussões, pegando-se num exemplo concreto como a não presença de mulheres no mundo do e-Sports, nomeadamente nos principais torneios de  DotA 2. Surge então a necessidade de criar uma Female League, onde mulheres e raparigas podem participar e tentar ownar nos vários pequenos torneios. No entanto, não será isto, uma outra maneira de segregação? Aqui, diferentemente do mundo do desporto, não existe o tal argumento da diferença de força física.

Aqui, dá-se a oportunidade a todos, sejam altos, gordos, baixos ou magros, de pegarem num computador e tentarem ser os melhores, utilizando a estratégia e a rapidez de carregar em teclas. Aqui, a pessoa escolhe uma personagem, que luta, corre e mata por ela. Somos nós que levamos a personagem, é certo, mas aqui conseguimos estar mais em pé de igualdade. Aqui tanto eu posso escolher um Axe, como um jogador Masculino pode escolher uma Windranger. Se assim é, porquê a necessidade de criar uma all female league? Equipas mistas parecem um pontinho distante num futuro próximo.

Ainda no rescaldo do TI4, foram várias as opiniões negativas acerca da presença de  Jorien "Sheever" van der Heijden, como colaboradora no painel principal. Muitas das críticas passaram, somente, pelo facto de ela ser mulher. Aqui o ser mulher significa “perceber menos de um jogo que um homem, porque é mulher”. Nos tempos que correm, em que a prática de jogar video-jogos se torna cada vez mais mainstream, acessível a tudo e todos, esse tipo de fundamento já não convence.

Certo, que durante muito tempo, o hábito de jogar video-jogos foi maioritariamente Masculino, por razões diversas, impostas por uma sociedade, em que a mulher tem outro tipo de papel. Com o crescente uso dos tablets e smartphones, isso mudou.

Há também quem argumente que esse tipo de jogos não são jogos, mas isso seria outra discussão. O facto de a Valve ter convidado uma mulher para o painel principal, poderá ter sido uma maneira de tentar chamar mais mulheres para o mundo do DotA 2, ou então, foi simplesmente uma lufada de ar fresco para os nerds que estão fartos de ver homens, durante horas a fio, a comentarem um jogo. Talvez o próximo passo seria, então, uma oportunidade de ver uma equipa mista num próximo TI5?

Sheever foi uma das caras do The International 4
 

Não falo em equipas Femininas, pela simples razão, de muitas vezes isso ser motivo de espectáculo. Não é um espectáculo de ver quem joga melhor, de quem tem a melhor estratégia, de quem consegue ganhar uma lane mais depressa; é sim um espectáculo quase voyeurista, em que o principal objectivo é ver as meninas bonitas a jogar. Ver um jogo de uma Female League, pode ser quase um suplício, com comentários que mais valiam não serem comentados. Os organizadores defendem-se, proclamando que os torneios são uma bela oportunidade para as mulheres se integrarem e fazerem nome no mundo competitivo de DotA 2. Isso até faria sentido, se não fizesse mais sentido, não ter de haver integração. Tanto um rapaz, como uma rapariga podem jogar Dota 2, podem ser bons no DotA 2 e podem competir em DotA 2.

Recentemente, a International e-Sports Federation, decidiu mudar um pouco as regras, promovendo a igualdade de géneros, tornando muitos torneios acessíveis tanto a homens como mulheres (DotA 2 incluído). No entanto, não vão ser excluídos os torneios Femininos, algo que explicam pela tamanha dificuldade de integração das mulheres no mundo do e-Sports. Parece também ser esta a razão de ter existido esta divisão de géneros durante tanto tempo nos torneios de e-Sports, algo que já não se justifica, como já foi tanta vez aqui repisado.

Volto a repetir. Não sou Feminista, não me considero Feminista. Como “female gamer”, sempre fiz parte desse grupo restrito, que cada vez está mais na moda e por vezes, tenho saudades do tempo em que nos consideravam “special ones”. Com a mudança de mentalidade e a evolução da tecnologia, cada vez mais mulheres estão a descobrir a maravilha que é passar horas ao computador ou na consola a jogar um jogo. Com quase oito milhões de jogadores, o DotA 2 continua a crescer em popularidade e cada vez mais mulheres aderem à tendência. Se calhar, algumas apenas o fazem para estar na moda. Outras, fazem-no porque realmente sempre o quiseram fazer e não há melhor oportunidade que esta.

A realidade é que as Barbies vão continuar escondidas debaixo da cama e já chega de nos resguardarmos atrás de volantes pirosos. Os números realmente não enganam e ao serem 48%, o normal será encontrarmos cada vez mais vozes femininas, por detrás de um grande grunhido de um Axe. Quando isso acontecer (e tal como diz o próprio Axe):

Let the carnage begin!